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sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Resumo de Aula - Apelação

FACULDADE PIO XII
Prática Jurídica I
Prof.: Lauro Coimbra

DA APELAÇÃO

É inerente ao ser humano a inconformidade frente a negativa de um desejo, seja afetivo, financeiro ou jurídico. O Estado, por meio do Poder Judiciário, oferece a todos que ingressam no mundo jurídico em busca de seu direito subjetivo, a possibilidade de obterem uma outra decisão em razão da negativa de sua pretensão e o faz servindo-se dos recursos previstos no Código de Ritos.

Segundo José Carlos Barbosa Moreira, em Comentários ao Código de Processo Civil, “Caracteriza-se o recurso como o meio idôneo a ensejar o reexame da decisão, dentro do mesmo processo em que foi proferida, antes da formação da coisa julgada.” (v. V, nº 104, p. 187-191)
Embora o recurso possibilite a reforma, a modificação ou a invalidação da decisão, não se deve confundi-lo com outros meios judiciais de revisão, como ocorre na Ação Rescisória ou no Mandado de Segurança, que são processos autônomos e distintos.
A faculdade de recorrer não é possível em qualquer ato processual, mas apenas nos atos do juiz. E essa faculdade não está adstrita a todo e qualquer ato do magistrado, mas àqueles chamados decisórios e com previsão no artigo 162 do Código de Processo Civil, como sentenças e decisões.
Assim, aqueles atos que simplesmente impulsionam o processo, sem prejudicar ou favorecer as partes, não são passíveis de recurso.

Alguns princípios processuais e constitucionais norteiam o emprego dos recursos, pois tratam-se de premissas básicas, em torno das quais gravita o sistema jurídico, servindo de orientação para a aplicação dos recursos, destacando-se os a seguir analisados.

O Princípio da Fungibilidade - Embora não se encontre previsto em letras no Código de Processo Civil, é amplamente aplicável na dinâmica dos recursos, validando a prática do ato que tenha assumido forma diversa da prevista em lei, desde que tenha sido alcançada sua finalidade, e sem prejuízo da parte contrária. Para aplicação deste princípio são necessários dois requisitos cumulativos, ou seja: que o recurso tenha sido interposto no prazo do recurso correto e que não tenha ocorrido erro grosseiro; como por exemplo, o recorrente ter ignorado previsão legal indicativa do recurso correto.

Outro princípio aplicável e que também não está escrito na Constituição Federal, mas está baseado em interpretação gramatical do inciso LV do art. 5º da Carta Magna, é o do Duplo Grau de Jurisdição, possibilitando que a decisão seja novamente analisada pela mesma autoridade que a proferiu ou pela instância superior, assegurando que o Estado cumpra com seu dever de “dizer a justiça” e considerando a possibilidade de o magistrado ou do tribunal se equivocar, na apreciação da causa.

O Princípio da Taxatividade indica que somente se qualificam como recur-sos aqueles indicados de forma expressa em lei, ou seja, em numerus clausus.

O Princípio da Singularidade - ou da unicidade recursal - informa que, para cada ato judicial é cabível um único recurso, tendo cada recurso uma função específica que não se confunde com a finalidade prevista para outra espécie de recurso.

O Princípio da Proibição da Reformatio in Pejus indica que o recurso deve ser útil à parte, no sentido de poder impor modificação para melhorar sua situação processual, e não prejudicar à parte recorrente; todavia esse princípio não tem aplicação absoluta, cedendo à hipótese de a instância recursal enfrentar e acolher questão processual de ordem pública.

Para que o órgão julgador possa examinar o cabimento do recurso são necessários pressupostos específicos que se dividem em intrínsecos e extrínsecos.

Os pressupostos intrínsecos se referem à existência do direito da parte recorrer e são: o cabimento (o recurso somente é cabível se a lei processual indicar); o interesse recursal (o recorrente deve vislumbrar alguma utilidade ou necessidade na interposição do recurso); a legitimidade recursal (somente pode ser utilizado pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado ou pelo Ministério Público) e a inexistência de fato extintivo do direito (a parte renuncia ao direito de recorrer).

Os pressupostos extrínsecos se referem ao exercício de recorrer e são: a regularidade formal (o recurso deve obedecer expressamente à forma determinada na lei); a tempestividade (deve ser interposto no prazo previsto em lei); o preparo (o pagamento necessário à tramitação do recurso) e a inexistência de fato impeditivo do direito de recorrer ou do seguimento do recurso (o direito de recorrer pode estar inibido por alguma causa externa, como a desistência ao recurso ou o não pagamento de multa prevista legalmente).

A interposição do recurso opera efeitos de interposição e efeitos do julgamento. Como efeito de interposição dos recursos temos que ele impede o trânsito em julgado da sentença recorrida; transfere - para órgão diverso daquele que proferiu a decisão - o conhecimento da matéria impugnada (efeito devolutivo) e não permite que a decisão recorrida produza efeitos antes do julgamento do recurso (efeito suspensivo); e, como efeito do julgamento do mérito do recurso, temos a possibilidade de substituir ou anular a decisão judicial recorrida (efeito modificativo/translativo).

No diploma processual civil a apelação é o recurso inicial e aplica-se, no que for pertinente, aos demais recursos da legislação instrumental, sendo cabível para impugnar qualquer tipo de sentença que seja proferida em qualquer espécie de procedimento ou processo. E desde que a decisão ponha fim ao procedimento em primeiro grau.

Ocorrem exceções a esta previsão genérica, indicadas em leis especiais, que determinam recursos específicos para suas decisões, como é o caso, por exemplo, do recurso inominado, indicado contra sentenças proferidas nos Juizados Especiais.
Para José Carlos Barbosa Moreira, “ ... apelação é o recurso que se interpõe das sentenças dos juizes de primeiro grau de jurisdição para levar a causa ao reexame dos tribunais do segundo grau, visando a obter uma reforma total ou parcial da decisão impugnada, ou mesmo sua invalidação.” (O Novo Processo Civil Brasileiro, v. I, p. 204)
A apelação permite o reexame de qualquer vício encontrado na sentença impugnada, seja vício de forma ou vício de julgamento. Os vícios formais farão com que a sentença seja anulada pelo tribunal, com a remessa dos autos ao primeiro grau, para nova sentença; e os vícios de julgamento importam na substituição da sentença anterior por nova decisão do tribunal, reapreciando o caso sem necessidade do retorno ao juízo de primeiro grau; exceção quanto à violação ao princípio do Duplo Grau de Jurisdição. No vício de julgamento, o apelante pretende a reforma da decisão judicial por meio de um acórdão que a substitua, onde o tribunal deve reavaliar os fatos, as alegações e as provas do processo. A decisão judicial é válida do ponto de vista processual, mas injusta do ponto de vista do recorrente.
No vício de forma, a sentença retrata uma irregularidade formal, de caráter processual, já existente antes da sentença ou criada por ela, revelando um vício na atuação do juiz de primeiro grau, devendo, neste caso, ser anulada pelo tribunal e retornar ao juiz a quo para nova sentença.
Segundo Flávio Cheim Jorge (Apelação Cível: teoria e admissibilidade. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.p.61):
“... a situação é todavia diferente, quando a sentença incide em vício de atividade (errores in procedendo). Se o fundamento da apelação é o de que a sentença teria incidido em vício de atividade, não há espaço para o tribunal reformar a decisão, mas, tão-somente, anulá-la. Se a sentença não foi proferida em conformidade com as normas processuais adequadas, a conseqüência inevitável é, de regra, a sua anulação.”
O Código de Ritos, art. 296, prevê a hipótese do juízo de retratação, que é um princípio comum nas decisões interlocutórias; mais uma exceção no âmbito das sentenças. Segundo essa hipótese, e somente neste momento processual, pode, o próprio magistrado que proferiu a decisão de indeferimento da petição inicial, reexaminar sua decisão, modificando-a e ordenar a citação do demandado para apresentar contestação.
A norma prevista pelo Código de Processo Civil, art. 515, parágrafo 3º, restringe a regra geral de que a competência do tribunal se refere ao reexame de matéria dirimida pela instância monocrática, não podendo se posicionar pela primeira vez sobre o mérito da causa, quando autoriza, nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, que o tribunal possa julgar desde logo o feito, se versar sobre questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. Essa regra se sustenta em razão de economia processual e na busca da celeridade processual e tem recebido severas críticas, apoiadas na alegação de positivação da supressão de instância.
A apelação é apresentada no prazo de quinze dias, salvo hipóteses expressamente previstas em legislação especial, por meio de petição escrita dirigida ao juiz do processo, acompanhada das razões da inconformidade, direcionadas ao tribunal, com pedido de processamento e encaminhamento à Corte competente.
Chegando a apelação ao tribunal, após seu protocolo e distribuição, é encaminhada ao relator, que examina o preenchimento dos requisitos de admissibilidade do recurso. Concluindo pela ausência de requisito, profere decisão de natureza interlocutória, contra a qual cabe recurso de agravo, com a admissão do juízo de retratação. Mantida a decisão, o agravo é encaminhado ao Colegiado ao qual se encontra vinculado o relator, que examina a decisão. Sendo confirmada, admite-se o recurso de embargos de declaração, por omissão, obscuridade ou contraditório, ou recurso especial e/ou extraordinário. Na hipótese do relator acolher o agravo, ou de o Colegiado reformar a decisão, procede-se ao encaminhamento dos autos ao revisor, que lança visto no processo e solicita dia para o julgamento. Na sessão de julgamento o relator faz a leitura do relatório; após, os advogados, se desejarem, primeiro do apelante e depois do apelado, proferem sustentação oral pelo prazo improrrogável de 15 minutos. Pode, eventualmente, ocorrer solicitação de esclarecimentos ao relator e, finalmente, discussão do recurso em si. Os votos colhidos são primeiro do relator, depois do revisor e por último do magistrado com assento no Colegiado, anunciando-se o resultado da votação. Após, os autos são encaminhados ao relator para que realize a lavratura do acórdão, seguindo ao autor do primeiro voto vencedor, na hipótese de o relator ter saído vencido da decisão.
Desta forma, por meio da apelação, a parte inconformada com a decisão do juiz monocrático pode utilizar-se de um instrumento processual capaz de reformar ou invalidadar a decisão atacada, e, embora correndo o risco de ver sua decisão confirmada pela Corte Superior, o desejo de revisão da decisão foi alcançado.

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