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sexta-feira, 3 de outubro de 2008

parecer sobre possibilidade de CPI efetuar quebra de sigilo fiscal e telefônico diretamente

I – RELATÓRIO

A presente manifestação decorre de uma solicitação verbal formulada pelo Excelentíssimo Deputado xxxxxxxxxxx, à esta Subprocuradoria Geral, para que a mesma se manifestasse sobre a possibilidade de uma Comissão Parlamentar de Inquérito Estadual decretar a quebra do sigilo bancário de pessoas físicas e jurídicas investigadas.

Desta forma, a Subprocuradoria acata a presente solicitação do nobre Deputado e passa a opinar sobre a matéria citada em linhas transatas.

É o que passo a fazer.

É o sucinto relatório.

II – DOS FUNDAMENTOS


Segundo versa o grande mestre administrativista Hely Lopes Meirelles na obra “ Comissão Parlamentar de Inquérito”:

“A função do parlamento , de acordo com o direito brasileiro, é de inspecionar os administradores, fiscalizar os serviços públicos, observar o modo como as leis são executadas e investigar, no sentido mais amplo, a ocorrência de fato determinado, de interesse público, apontando os infratores ao Ministério Público.”

O mestre português J.J. Gomes Canotilho, citado por Manoel Messias Peixinho ( Comissão parlamentares de Inquérito,2001) cita:

“As comissões de inquérito fornecem ao Parlamento conhecimentos visando à elaboração de legislação, bem como funcionam como instrumento de fiscalização política dos atos do governo e administração.”

As Comissões Parlamentares de Inquérito, no tocante a amplitude de seu campo de atuação, não é ilimitada, devendo concentrar-se em fatos específicos, definidos e relacionados com o poder público.

Assim, podem ser objetos de investigação da CPI todos os assuntos que estejam na competência legislativa ou fiscalizatória da Assembléia Legislativa do x, não existindo autoridade geral da CPI para exposição dos negócios privados dos indivíduos, quando inexistir nexo causal com a gestão da coisa pública.

Vale a lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho ( Comentários a Constituição Brasileira de 1988, 1992):

“Na verdade a regra de ouro é que o poder investigatório há de estar vinculado a uma atribuição constitucional específica. Destarte, não sendo da alçada da casa ou do congresso tomar decisão a respeito do “fato” investigado, descabe a investigação. É a condição geral de pertinência, que enfatiza a doutrina”

Vale ressaltar que a criação da CPI com objeto específico não impede a apuração de fatos conexos ao principal, ou ainda, de outros fatos, inicialmente desconhecidos, que surgirem durante a investigação, bastando, para que isso ocorra, que haja um aditamento do objeto inicial da CPI.

Desta forma, muitas informações que forem coletadas na presente Comissão Parlamentar de Inquérito, tais como o sigilo bancário de pessoas investigadas, deverão ter caráter sigiloso, tais informações serão de grande valia para conclusão dos trabalhos, devendo serem mantidas em total sigilo, para garantia dos trabalhos futuros, bem como sua conclusão em relatório, em estrita observância a Constituição Federal.

Em resumo, como depositária legal dos dados sigilosos, a Comissão não os pode desvelar nem revelar a outrem, de modo direto nem indireto, em sessão pública, violando-lhes o segredo que remanesce para todas as demais pessoas estranhas aos fatos objeto da investigação.
E é o que já decidiu o Supremo Tribunal Federal, impedindo a divulgação dos dados:

"A Comissão Parlamentar de Inquérito, embora disponha, ex propria autoritate, de competência para ter acesso a dados reservados, não pode, agindo arbitrariamente, conferir indevida publicidade a registros sobre os quais incide a cláusula de reserva derivada do sigilo bancário, do sigilo fiscal e do sigilo telefônico.

Com a transmissão das informações pertinentes aos dados reservados, transmite-se à Comissão Parlamentar de Inquérito - enquanto depositária desses elementos informativos, a nota de confidencialidade relativa aos registros sigilosos.

Constitui conduta altamente censurável - com todas as conseqüências jurídicas (inclusive aquelas de ordem penal) que dela possam resultar - a transgressão, por qualquer membro de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, do dever jurídico de respeitar e de preservar o sigilo concernente aos dados a ela transmitidos" (MS nº 23.452-RJ, rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 17.04.2000. Grifos do original).

É o que não escapa à doutrina, segundo o mestre José Wanderley Bezerra Alves:

Destarte, prefere-se as expressões co-guarda ou co-proteção do sigilo (substantivo com o prefixo), significando o dever de manutenção do segredo por parte de todo aquele que tenha acesso a dados protegidos, inclusive de parlamentares integrantes de CPI, que devem respeitar e preservar o sigilo dos dados que lhes foram transferidos. A revelação de documentos e do conteúdo de debates ou deliberações sobre os quais a lei imponha sigilo ou a Comissão haja resolvido ser secretos, por parlamentares, acarreta-lhes a aplicação de pena de responsabilidade, por falta de decoro parlamentar, nos termos do regimento interno da respectiva Casa Legislativa. Na Câmara dos Deputados, a hipótese é de perda temporária do exercício do mandato, nos termos do artigo 246, inciso III do RICD" ("Comissões Parlamentares de Inquérito", PA, Sergio A. Fabris Ed., 2004, p. 392, nº 3.1).

Nesta linha, a CPI deve sempre respeitar o direito à intimidade das pessoas física e jurídicas que prestaram informações ou de documentos que lhe foram entregues, direito que, segundo versa o mestre Celso Ribeiro Bastos
( Comentários à Constituição do Brasil, p. 63):

"consiste na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano."

Desta forma, a conduta da CPI deve equilibrar os interesses investigatórios, observando sempre os princípios norteadores do sistema jurídico, como as garantias constitucionalmente consagradas, preservando sempre a segurança jurídica e separação dos poderes, e buscar entre os vários meios jurídicos os mais razoáveis e práticos em busca de resultados plausíveis e satisfatórios, garantindo a plena efetividade da justiça, sob pena de desviar-se de sua finalidade constitucional.

Conforme versam Canotilho e Vital Moreira, citados pelo Promotor de Justiça Alexandre de Moraes (Direito Constitucional, 2001):

“os poderes das comissões de inquérito têm um limite naqueles direitos fundamentais dos cidadãos que, mesmo em investigação criminal, não podem ser afectados senão por decisão de um juiz.”

Os direitos humanos fundamentais são cláusula pétreas de todas as Constituições , a observância sobre o respeito a dignidade humana, garantia a limitação do poder, são de observância obrigatória de qualquer CPI, e como no presente caso, não cabe a CPI agir contrariamente a este entendimento, divulgando informações que são protegidas pela Constituição Federal.

Entrando, agora, na solicitação formulada pelo Excelentíssimo Deputado, temos que a Magna Carta Federal e a Constituição Estadual incluíram em seus textos a referência a “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais “(Federal Art. 58,§ 3º e Estadual Art. 60, § 3º) , que inexistia nas Cartas anteriores.

A previsão constitucional “poderes de investigação de autoridade judicial” tem sentido de criar para a CPI o direito e poder de atribuir às suas intimações, requisições e outros atos relacionados com a investigação, o caráter de determinações judiciais, podendo interferir na esfera individual, nos direitos estabelecidos na Constituição como Cláusula Pétrea, a saber : a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, tal como o sigilo bancário, comunicação telefônica, mas tal decisão da CPI deverá ser bem fundamentada, conforme versou o Supremo Tribunal Federal:

CPI - ATO DE CONSTRANGIMENTO - FUNDAMENTAÇÃO. A fundamentação exigida das Comissões Parlamentares de Inquérito quanto à quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático não ganha contornos exaustivos equiparáveis à dos atos dos órgãos investidos do ofício judicante. Requer-se que constem da deliberação as razões pelas quais veio a ser determinada a medida

Como supra citado, deve ser adotado a motivação expressa nas decisões da CPI Estadual, visto que a mesma pode sofrer controle judicial, sempre que seu exercício causar injustas lesões ao regime das liberdades públicas e à integridade dos direitos e garantias individuais.

Versa o Supremo Tribunal Federal:

“Atenta a este princípio básico, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal jamais tolerou que a invocação da natureza política do ato emanado das Casas Legislativas pudessem constituir – naquelas hipóteses de lesão atual ou potencial ao direito de terceiros – um ilegítimo manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários. Os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito estão sujeitos às limitações impostas pela Constituição da República.” (STF- MS 23.452/RJ)

Vale citar o ensinamento do Mestre Luís Roberto Barroso ( Temas de Direito Constitucional, 2001):

“Deve-se ter em conta, em decorrência do princípio da simetria, que a orientação que se firmar relativamente às CPIs instauradas no Congresso Nacional será importada para os Estados-Membros e regerá as CPIs constituídas pelas Assembléias Legislativas”

Encontramos na jurisprudência várias decisões admitindo a possibilidade da CPI poder determinar de plano a quebra do sigilo bancário :

“ O princípio constitucional da reserva de jurisdição – que incide sobre as hipóteses de busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), de interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e de decretação de prisão, ressalvada a situação de flagrância penal(CF, art. 5º, LXI)- não se estende ao tema da quebra de sigilo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição da República ( CF, art. 58,§ 3º), assiste competência à comissão Parlamentar de Inquérito, para decretar, sempre em ato necessariamente motivado, a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas”( STF - MS 23.639/DF)


“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO DE ROUBO DE CARGAS. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO, TELEFÔNICO E FISCAL. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO IMPUGNADO. PRESENÇA DA PROBABLE CAUSE. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Se os atos judiciais são nulos quando destituídos de fundamentação (CF, artigo 93, IX), nulos também são os das CPIs, a quem o § 3º do artigo 58 da Constituição confere "os poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias". Precedentes. 2. O Tribunal já firmou entendimento de que as Comissões Parlamentares de Inquérito são dotadas de poder investigatório, ficando assentado que devem elas, a partir de meros indícios, demonstrar a existência concreta de causa provável que legitime a quebra do sigilo. 3. Depoimento do impetrante e acareação com testemunha que o acusara de receptador. Coincidência com declarações de outra testemunha. Relatório da Polícia Federal. Causa provável ensejadora da quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico. Segurança denegada.”(STF – MS 24217/DF – Rel. Min. Maurício Correa – Julg: 28/08/02)

”EMENTA: Comissão Parlamentar de Inquérito. Quebra de sigilo bancário e fiscal. - Esta Corte, em julgamentos relativos a mandados de segurança contra a quebra de sigilo bancário e fiscal determinada por Comissão de Inquérito Parlamentar (assim, entre outros, nos MS's 23.452, 23.454, 23.851, 23.868 e 23.964), já firmou o entendimento de que tais Comissões têm competência para isso desde que essa quebra tenha fundamentação adequada, que não só há de ser contemporânea ao ato que a ordena, mas também que se baseie em fatos idôneos, para que não seja ela utilizada como instrumento de devassa indiscriminada sem que situações concretas contra alguém das quais possa resultar suspeitas fundadas de suposto envolvimento em atos irregulares praticados na gestão da entidade em causa. - No caso, a determinação da quebra de sigilo em causa está fundamentada na forma em que, tratando-se de decretação por parte de C.P.I., se admite que ela se dê. Mandado de segurança indeferido, cassada a liminar” (STF – MS 23843/RJ – Rel. Min. Moreira Alves – Julg: 10/10/01)

Em recente Decisão, o Supremo Tribunal Federal determinou que as instituições bancárias enviassem informações bancárias protegidas constitucionalmente à Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, sempre que requisitada, ou seja, diretamente, reforçando a tese adotada ao longo do presente parecer:


DECISÃO: Instado a se manifestar sobre os documentos de fls. 72/92, a IMPETRANTE requer: "a) a autorização para desentranhamento da documentação supra-referida, entregando-se-a à impetrante; b)a determinação à digna Autoridade impetrada que informe as instituições bancárias que devem remeter a documentação diretamente à impetrante. .............................." (fl. 97). Decido. Indefiro o pedido de desentranhamento. Todavia, faculto à IMPETRANTE o direito de obter cópia autenticada dos documentos que julgar úteis às investigações. Quanto ao segundo pedido, oficie-se ao IMPETRADO para que comunique às instituições bancárias, que as informações, quando solicitadas, deverão ser enviadas diretamente à IMPETRANTE. Publique-se. Brasília, 28 de fevereiro de 2005. Ministro NELSON JOBIM Presidente (STF, ACO 730/RJ, Relator Min. Joaquim Barbosa – Data 08/03/2005) (DESTAQUES NÃO ORIGINAIS)

III - CONCLUSÃO:

De acordo com os argumentos trazidos a colação ao longo da Presente Manifestação, chegamos a inevitável conclusão que a Comissão Parlamentar de Inquérito pode decretar, diretamente, a quebra do sigilo bancário de pessoas físicas e jurídicas que estejam sendo investigadas pela Comissão, devendo tal determinação ser muito bem fundamentada, sob pena de nulidade.

Vale citar, ainda, que a CPI na posição de depositária legal dos dados sigilosos, como o sigilo bancários e os dados que poderão advir, não os pode desvelar nem revelar a outrem, de modo direto nem indireto, em sessão pública, violando-lhes o segredo que remanesce para todas as demais pessoas estranhas aos fatos objeto da investigação, visto se tratar de dados protegidos constitucionalmente, conforme legislação, doutrina e jurisprudência constantes do presente parecer.

Salvo Melhor Juízo, é a Manifestação.

LAURO COIMBRA MARTINS
oab/es 10.132












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