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sábado, 4 de outubro de 2008

Defesa Criminal de Deputados perante o STJ , que foram denunciados por corrupção por terem votado proj. de lei inconstituc. encaminhado pelo Executivo

EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR, DOUTOR CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO


PROCESSO: Ação Penal xxxxxxx







xxxxxxxxxxxxx e xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, já devidamente qualificados nos autos da DENÚNCIA apresentados pelo ilustre representante do Parquet Federal, vêm, nos termos do art. Do Código de Processo Penal, apresentar sua DEFESA PRELIMINAR, o que aduz os seguintes fundamentos:


DA LEGITIMIDADE DA ASSEMBLÉIA PARA REPRESENTAR JUDICIALMENTE SEUS MEMBROS

Nestas linhas iniciais, esclarecemos que, a Defesa Preliminar dos ora Deputados Denunciados, deve ser produzida através da Procuradoria Parlamentar da Assembléia Legislativa do Estado do xxxxxxxxxxxxxxx, consoante dispõe o 28 do Regimento Interno daquela Casa de Leis, vejamos:

“Art. 28 – A Procuradoria Parlamentar terá por finalidade promover, em colaboração com a Mesa a defesa da Assembléia, de seus órgãos e membros quando atingidos em sua honra ou imagem perante a sociedade em razão de exercício do mandato ou das suas funções institucionais.”

Por entender que os Crimes que estão sendo imputados aos Denunciados se dão em razão do exercício de voto na condição de Deputados – votação em Projeto de Lei, ou seja ato de competência primária da investidura do Parlamentar, prerrogativa esta emanada do Diploma Constitucional, é que se justifica a realização da presente Defesa através da Procuradoria da Casa de Leis.

BREVE SÍNTESE

O Ilustre Representante do Ministério Público Federal, Dr. xxxxxxxxxxxxxx , apresentou Denúncia, alegando terem os senhores Deputados e o Governador do Estado infringido os art. 312, c/c o art. 14, II, do Código Penal – usurpação de cargo público -, e no art. 4º, h, da Lei nº 4.898/65 – ato lesivo ao patrimônio, no desenvolvimento de suas atividades Executiva e Legislativa.

Segundo o alegado, relativamente aos parlamentares, os mesmos teriam cometido crime de peculato e abuso de poder, ao apreciarem determinada matéria legislativa, emitido seus respectivos juízos de valoração favoravelmente a Projeto de Lei advindo do Poder Executivo, que entende ser ilegal ou inconstitucional, e que estaria eivado de vícios insanáveis, e assim, converteu-o em lei formal. E no caso do Governador do Estado porque sancionou a norma aprovada pelo Plenário da Assembléia Legislativa.

Há de se esclarecer que o Projeto de Lei a que se refere o Ilustre Representante do Parquet Federal é da iniciativa exclusiva do Excelentíssimo Senhor Governador deste Estado, que a exerceu, constitucionalmente, manifestando-se expressamente através da Mensagem Governamental n0 294/2002, para encaminhar o Projeto de Lei n0 398/2002.


DA REVOGAÇÃO DA LEI Nº 7.306

Insta registrar que o Excelentíssimo Senhor Governador deste Estado, através da Mensagem n0 354, de 26 de novembro de 2002, encaminhou a esta Casa o Projeto de Lei que recebeu o n0 445/2002, tendo sido o mesmo aprovado e, por conseqüência, revogando todos os artigos da Lei Estadual n. 7.306, de 18 de setembro de 2002.

O Excelentíssimo Senhor Governador do Estado justificou a apresentação do aludido Projeto de Lei, aduzindo que a legislação existente, naquele momento, prejudicava os investimentos necessários ao desenvolvimento do Estado, dificultando o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo - BANDES, em carrear recursos para os diversos setores da economia. Desse processo legislativo resultou a edição da Lei n. 7346 de 27 de novembro de 2002, publicada no DIO/ES de 28 de novembro de 2002 (lei revogatória da lei que ensejou a presente denúncia).
Conforme se verifica, a Lei Estadual em questão data de 18 de setembro de 2002, tendo sido revogada em 27 de novembro de 2002, ou seja, somente dois meses após a sua aprovação, antes mesmo de ser regulamentada, a tão questionada lei foi revogada.

Nesse diapasão, inobstante os denunciados tenham votado de boa fé o Projeto de Lei do Poder Executivo que deu origem à Lei Estadual nº 7.306/2002, a mesma foi abortada praticamente em seu nascedouro, confirmando a tese esposada pela defesa, de que a imputação efetuada pelo Ministério Público, em face dos denunciados se torna totalmente impossível de prosseguir.
Partindo da premissa de que a soberania do Estado permite àqueles que representam a sociedade a edição de atos legislativos, a suposição é a de que tais atos guardam compatibilidade com a Constituição Federal, ou seja, o Estado, por seus agentes parlamentares, exercendo o poder jurídico e político de criação de leis, respeitam os parâmetros constitucionais, concluindo para tanto que, a edição regular de leis devem ser procedidas em harmonia com a Constituição.

Se houver inobservância desses parâmetros que são de ordem constitucional, será admissível que, se dano surgir em decorrência de edição de lei inconstitucional e, refletir esta, atuação indevida do órgão legislativo, pode o diploma legal ter a sua constitucionalidade apreciada em juízo, através de ação própria. Para tanto é mister destacar alguns outros aspectos.

Em primeiro lugar, a responsabilidade só se consuma se o Legislativo efetivamente produziu danos e concomitantemente agiu com dolo, pois que freqüentemente a inconstitucionalidade da lei em tese, meramente, não comporta responsabilização do legislador, quer administrativa, quer civil, quer criminalmente.

E ainda assim é preciso que a lei seja declarada inconstitucional, depois do exame regular por parte do Poder Judiciário, visto que milita sempre em seu favor a presunção de constitucionalidade, presunção essa desmentida apenas quando o órgão judiciário expressamente proclamar a inconstitucionalidade.

É por demais importante, ainda, registrar que, mesmo assim, a lei atacada, conquanto vigiu, em nada afetou a órbita jurídica patrimonial das pessoas, quer jurídica de direito público ou privado, quer físicas, porque não foi sequer aplicada.

Isto porque o texto da Lei Estadual nº. 7.306/02, por si só não é auto-aplicável, ou seja, não produziu efeito imediato depois de sua publicação, mas de seu teor constatavam condicionantes, não se concretizando no mundo jurídico enquanto vigiu, deixando, desse modo, de causar dano de qualquer natureza, inexistindo fato criminoso, conforme alegado pelo autor na inicial. Não houve ilícito penal, civil ou administrativo.

Assim, com a revogação do texto normativo ora atacado, de iniciativa do mesmo autor (o Poder Executivo Estadual), que culminou na mencionada Lei nº 7.346, de 28 de novembro de 2002, e ainda, diante da inexistência de dolo pela prática do ato, tendo havido tão somente, a apreciação e a aprovação da matéria pelos parlamentares, ora acusados, e mais, diante da inexistência de declaração de inconstitucionalidade por parte do Poder Judiciário, a denúncia perde sua eficácia em decorrência da evidência de fato superveniente que conduziu à perda de objeto que possibilite o amadurecimento processual, não restando a esse Julgador superior outra solução senão a rejeição da denúncia.


DA INVIOLABILIDADE DO DIREITO DE VOTO DOS DEPUTADOS


A Constituição da República em seu art. 53 ampara de forma ampla e irrestrita o direito dos Deputados à inviolabilidade de seus votos, vejamos:

“Art. 53 – Os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos.”

A Carta Maior em seu art. 27 dispõe:

“Art. 27 – (...)

Parágrafo 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas”.

Na esfera Federada, a Constituição Estadual previu de forma peremptória o seguinte:

“Art. 51 – O Deputado é inviolável, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.”

A ação penal que se pretende intentar nos configura verdadeira interferência na competência legislativa, representando um enorme risco à inviolabilidade dos votos dos Deputados, e por via de conseqüência, uma ameaça ao estado democrático de direito, que com muito custo foi restabelecido no País.

Neste passo, infere-se que o Deputado Estadual, quando profere voto em processo para a edição de uma determinada lei, não age em nome próprio, pelo contrário, ele é o próprio povo, representado pelo Poder Legislativo. Permitir que os mesmos fossem responsabilizados civil ou penalmente por seus votos é autorizar ingerência indevida do Poder Judiciário no Poder Legislativo, em afronta direta ao princípio da independência dos três poderes.

A inviolabilidade dos representantes do povo quanto aos votos que proferirem no exercício da função legiferante, é um atributo, uma condição essencial e inseparável da existência das Assembléias Legislativas; é princípio de alto interesse público que anima a liberdade das discussões, é a independência da tribuna, a soberania da nação no exercício do Poder Legislativo.

O instituto da inviolabilidade é uma garantia essencial ao funcionamento do Poder Legislativo, por figurar como condição basilar de sua independência, sem a qual não haveria condição da expressão da vontade popular que se perfaz através do voto e sobretudo, do Estado Democrático de Direito.

As prerrogativas dispostas no caput do art. 53, da Constituição Federal e no art. 51, da Constituição do Estado do Espírito Santo, pertencem mais ao Poder Legislativo e ao próprio povo, do que aos mandatários propriamente, que podem invocar a proteção das imunidades, pois as mesmas visam primordialmente o livre desempenho das atribuições dos membros componentes do Poder Legislativo.

Conforme se verifica nos escólios doutrinários a seguir transcritos, consagrou-se na doutrina dominante, que a inviolabilidade do voto é garantia constitucional que afasta qualquer pretensão de responsabilidade civil ou penal dos legisladores pátrios pelos seus votos, opiniões e palavras. Veja-se:

“Há dois tipos de imunidade parlamentar: a) material, que gera a inviolabilidade dos membros do Poder Legislativo por suas palavras, opiniões e votos; b) formal, garantindo a improcessabilidade do parlamentar.

A primeira constitui a liberdade de palavra (fredom of speech), e a segunda, a liberdade contra a prisão arbitrária, ou a imunidade à prisão (freedomfrom arrest) do direito político inglês.

A imunidade material que altera a inviolabilidade tem o sentido de irresponsabilidade jurídica pela qual nenhum parlamentar pode ser responsabilizado, criminalmente, ou civilmente, por suas opiniões, palavras e votos...” (PINTO FERREIRA, Comentários à Constituição Brasileira, Ed. Saraiva, 1990, 2 ed., p. 623) (destacou-se)

“A inviolabilidade obsta a propositura da ação civil ou penal contra o parlamentar, por motivo de opiniões ou votos, proferidos no exercício de suas funções. Ela protege igualmente os relatórios e os trabalhos nas Comissões. É absoluta, permanente, de ordem pública. A inviolabilidade é total. As palavras e opiniões sustentadas no exercício do mandato ficam excluídas de ação repressiva ou condenatória, mesmo depois de extinto o mandato.” (RAUL MACHADO HORTA, Imunidades Parlamentares, Revista de Direito Público, vol. 3., Ed. Revista dos Tribunais, 1968, p. 36) (destacou-se).

Salta aos olhos de todos, que a presente ação não deve prosperar pois, no ordenamento constitucional, como bem salienta ALEXANDRE DE MORAES (Direito Constitucional 7 ed., Atlas, 1999, p. 386), “independente da posição adotada, em relação à natureza jurídica da imunidade, importa ressaltar que da conduta do parlamentar (opiniões, palavras e votos) não resultará responsabilidade criminal, qualquer responsabilização por perdas e danos, nenhuma sanção disciplinar, ficando a atividade do congressista, inclusive, resguardada da responsabilidade política, pois trata-se de cláusula de irresponsabilidade geral de Direito Constitucional material”.

Para não restar dúvidas quanto ao tema, convém trazer à colação acórdãos do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal que corroboram o entendimento segundo o qual, a imunidade parlamentar em sentido material protege o parlamentar em todas as suas manifestações que guardem relação com o exercício do mandato:

“CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS-CORPUS. APOLOGIA DE CRIME OU CRIMINOSO. VEREADOR. IMUNIDADE. INTELIGÊNCIA DO INCISO VIII DO ART. 29 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INVOCAÇÃO DE DIREITO COMPARADO. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. 1 - O paciente, que é vereador, utilizou-se da tribuna da câmara municipal para fazer a apologia de extermínio de meninos de rua. Foi, em decorrência, denunciado como incurso no art. 287 do CP Ajuizou habeas corpus, invocando sua inviolabilidade parlamentar (CF, art. 29, VIII). O writ foi denegado.
III - Não resta dúvida de que o paciente pregou sua sandice, própria de mente vazia. Mas, mesmo assim não se pode falar tenha ele cometido o crime. A Constituição Federal de 88, afastando-se do Federalismo Clássico, alçou o município a condição de ente federado (art. 1º, caput.). coerente com a nova filosofia política, que encontra raízes históricas na aurora de nosso estado, deu imunidade ao vereador no art. 29, inciso VIII: “inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município”. Desse modo, ainda que o parlamentar (lato sensu) se utilize mal da grandeza e finalidade da instituição a que devia servir, a constituição, no interesse maior, o protege com a imunidade. A suprema corte dos estados unidos, no caso “United States v. Brewster (408 U.S. 501, 507 (1972)), enfatizou: “a imunidade da cláusula relativa ao discurso e ao debate não se acha escrita na constituição simplesmente em beneficio pessoal ou privado dos membros do congresso, mas para proteger a integridade do processo legislativo, garantindo a independência individual dos legisladores.
III - Recurso ordinário conhecido e provido. (STJ - RHC 3891 / RS ; Fonte: DJ Data:24/04/1995 PG:10427; Min. PEDRO ACIOLI (264)) (destacou-se);

Recurso extraordinário: prazo de interposição: suspensão pelas férias forenses. II. Recurso Extraordinário: decisão interlocutória que resolve a questão constitucional controvertida: acórdão que, provendo apelação de sentença que extinguira o processo por entender incidente o art. 53, caput, da Constituição, assenta o contrário e determina a seqüência do processo: RE cabível. III. Recurso extraordinário: cabimento: inaplicabilidade da Súmula 279, quando se cuida de rever a qualificação jurídica de fatos incontroversos e não de discutir-lhes a realidade ou as circunstâncias. IV. Imunidade parlamentar material (Const. art. 53): âmbito de abrangência e eficácia. 1. Na interpretação do art. 53 da Constituição - que suprimiu a cláusula restritiva do âmbito material da garantia -, o STF tem seguido linha intermediária que, de um lado, se recusa a fazer da imunidade material um privilégio pessoal do político que detenha um mandato, mas, de outro, atende às justas ponderações daqueles que, já sob os regimes anteriores, realçavam como a restrição da inviolabilidade aos atos de estrito e formal exercício do mandato deixava ao desabrigo da garantia manifestações que o contexto do século dominado pela comunicação de massas tornou um prolongamento necessário da atividade parlamentar: para o Tribunal, a inviolabilidade alcança toda manifestação do congressista onde se possa identificar um laço de implicação recíproca entre o ato praticado, ainda que fora do estrito exercício do mandato, e a qualidade de mandatário político do agente. 2. Esse liame é de reconhecer-se na espécie, na qual o encaminhamento ao Ministério Público de notitia criminis contra autoridades judiciais e administrativas por suspeita de práticas ilícitas em prejuízo de uma autarquia federal - posto não constitua exercício do mandato parlamentar stricto sensu -, quando feito por uma Deputada, notoriamente empenhada no assunto, guarda inequívoca relação de pertinência com o poder de controle do Parlamento sobre a administração da União. 3. A imunidade parlamentar material se estende à divulgação pela imprensa, por iniciativa do congressista ou de terceiros, do fato coberto pela inviolabilidade. 4. A inviolabilidade parlamentar elide não apenas a criminalidade ou a imputabilidade criminal do parlamentar, mas também a sua responsabilidade civil por danos oriundos da manifestação coberta pela imunidade ou pela divulgação dela: é conclusão assente, na doutrina nacional e estrangeira, por quantos se tem ocupado especificamente do tema. (STF - RE 210917 / RJ, Rei. Ministro Sepúlveda Pertence; Publicação: DJ DATA- 18-06-01 PP-00012; Julgamento: 12/08/1998 - Tribunal Pleno). (destacou-se)

No caso em questão, pretende-se imputar como passível de alcance em crime de peculato e abuso de poder o livre e protegido exercício do direito de voto, no qual o Deputado exerce, na plenitude, o seu munus político, ou seja, o objeto do seu mandato que é o de votar as leis, com independência e segundo o seu livre convencimento.

O Direito Constitucional pátrio não impõe que o candidato a cargo eletivo e, conseqüentemente, ao eleito, que tenha formação ou conhecimento jurídico para o exercício da atuação parlamentar e política, visto que o mandato representativo pode ser exercido por brasileiro, com condições de exercício da sua cidadania, podendo o parlamentar ser produtor ou trabalhador rural, sindicalista, comerciante ou comerciário, profissional liberal de qualquer ramo de atividade e outros, sendo por esta razão o seu voto livre e independente, não podendo haver qualquer coação para o seu pleno e livre exercício, segundo as razões particulares do seu convencimento de mérito, seja este político, social ou econômico.

O voto em plenário não está vinculado ao exame de legalidade, juridicidade ou constitucionalidade da matéria em tramitação, é voto de mérito e de convencimento pessoal daquele que o exerce.

O exame técnico das propostas de lei é feito por Comissão Especial, constituída de forma representativa dos partidos, as quais é reservada, entre outras, a competência específica do exame prévio da legalidade e constitucionalidade dos projetos de leis, o que, no presente caso, cabe especialmente à Comissão de Constituição e Justiça, Serviço Público e Redação.

A decisão plenária é essencialmente política e não técnica, o que basta para demonstrar a impossibilidade e o absurdo da imputação de ato criminoso nas votações plenárias, em face da garantia constitucional da liberdade e da inviolabilidade do exercício de voto, que faz parte da independência dos Poderes, sendo em última análise um pilar da democracia representativa.

DA CONSTITUCIONALIDADE DA CONDUTA DOS DENUNCIADOS

Conforme embasamento constitucional, os atos internos praticados dentro da competência interna e exclusiva do órgão do Poder Legislativo, são denominados interna corporis, que emanam de prerrogativa que lhe é própria e exclusiva no regular exercício de suas funções, conforme previstos arts. 47, 51, inc. III, e 52, XII, da Constituição da República.

O munus do parlamentar é o exercício de elaborar textos normativos, sendo certo que estão sujeitos ao controle da constitucionalidade previsto na Lei Federal n0 9.868, de 10 de novembro de 1999.

O que pretende o Parquet é a substituição da deliberação deste Parlamento por um pronunciamento judicial sobre atribuição que é da exclusiva competência discricionária do Plenário do Poder Legislativo, o que não pode prosperar.

Diante dos fatos expostos e da análise dos termos da Denúncia apresentada, impõem-se as seguintes conclusões:

- Constata-se à evidência, a total inexistência de dolo na votação da Lei Estadual n0 7.306/2002, eis que este é ato de competência do Plenário do Poder Legislativo;

- Inocorreu dano ou desobediência de aplicação dos princípios constitucionais vigentes, descaracterizando qualquer prática de ato delituoso, mormente peculato e abuso de autoridade;

- Constata-se mais, que é delegação constitucional do Poder Legislativo, apreciar e votar matérias remetidas pelo Poder Executivo, cumprindo a determinação prevista nas Constituições Federal e Estadual, garantindo a observância de harmonia e independência entre os Poderes Constituídos, o que está posto no art. 2º, da CF, princípio basilar da democracia, que se assenta nos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, um Estado Democrático de Direito Constitucional.

Sob tal aspecto, lógico nos parece que a Denúncia proposta é uma tentativa de suprimento da competência legislativa da qual estão os Denunciados constitucionalmente investidos, portanto, a rejeição da denúncia se impõe, a teor do art. 516 do CPP, posto que os fatos não autorizam e muito menos o direito ampara.


DA INEXISTÊNCIA DO SUJEITO ATIVO PARA IMPUTAÇÃO DO CRIME CAPITULADO NO ART. 312 DO CP

Da própria literalidade do Texto Penal, no art. 312, no qual os Denunciados estão sendo imputados, inexistem os elementos configuradores do crime, vejamos:

“Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem imóvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:”

Já no início do dispositivo acima transcrito fica cristalina a impossibilidade do crime, o qual os Deputados estão sendo imputados, posto que não poderiam ser sujeitos ativos para o cometimento do delito, pois como é sabido não são eles funcionários públicos e sim agentes políticos.

Acerca do sujeito passivo, vejamos o que diz o festejado Celso Delmanto em seu clássico Código Penal Anotado:

“Sujeito ativo: Só o funcionário público (vide notas ao art. 327, e parágrafos 1º e 2º do CP).”(destacou-se)


Caminhando na leitura do dispositivo já referido, constata-se a completa inexistência do objeto material, vez que os Denunciados com seus votos, não iriam desviar qualquer quantia para seu proveito ou de alheios, pois como se pode averiguar do Projeto de Lei em questão, o beneficiário seria o próprio Estado do Espírito Santo, que poderia utilizar-se de outras verbas para quitação de suas dívidas ou outros investimentos públicos.

O Mestre alhures citado, observa quanto ao tipo objetivo do crime em questão:

“Tipo objetivo: Na modalidade de peculato-apropriar-se (1ª parte do caput), o núcleo é apropriar-se, que tem a significação de assenhorear-se, apossar-se. O funcionário age como se a coisa fosse sua, retendo, dispondo ou consumindo o objeto material. Diversamente da apropriação indébita comum (CP, art. 168), entende-se que o peculato não admite compensação nem é descaracterizado pela intenção de restituir. Todavia não configura o crime “a simples mistura dos dinheiros públicos com o próprio dinheiro” (H. FRAGOSO, Lições de Direito Penal, 1965, parte especial, v, IV, p. 1073). Embora seja questão intranquila, predomina o entendimento de que a infração não fica excluída pela caução ou fiança prestada anteriormente. Na modalidade de peculato-desvio (2ª parte do caput), o núcleo é desviar. Pune-se o funcionário que dá ao objeto destinação diferente daquela para a qual o objeto material lhe fora confiado. O desvio deve ser, porém, em proveito próprio (patrimonial ou moral) próprio ou alheio. Se o desvio for praticado em benefício da própria administração, poderá ocorrer outro delito (CP, art. 315), mas não o peculato. O dano material é indeclinável no peculato (Hungria, Comentário ao Código Penal,1959, v, IX, p. 345.”

O descortinamento do artigo que os Denunciados estão sendo imputados, se pode asseverar com convicção messiânica de que não houve quando da votação de um Projeto no Legislativo, qualquer prática de crime.

Em sua interpretação do Código Penal, Alberto Silva Franco, faz a seguinte observação no que tange ao sujeito ativo do crime de peculato:

“Agente ou sujeito ativo do crime é o funcionário sobre o qual se discorreu no estudo do art. 327. Pode também ser o particular, quando houver concurso de agentes. Cometerá ele peculato, ex vi do art. 26 (atual art. 30): “Dada a identidade de crime para todos os concorrentes, deduz-se que cada um deles deve responder igualmente pelo mesmo título de delito. Em outros termos, reconhecido o caráter unitário do crime cometido com a participação de várias pessoas, resulta que todos necessariamente respondem pelo mesmo delito” (Reccio) (cf. Magalhães Noranha, Código Penal, 8ª ed., vol. 4º/233, Saraiva, 1976; idem Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, vol. IX/339, Forense, 1958).”

Estando todos os Denunciados na condição de Agentes Políticos, posto que um era Governador do Estado e os demais Deputados Estaduais, não há que se falar em configuração de crime de peculato, pois não poderiam ser eles sujeitos passivos, como bem lecionou o Professor acima.

Em que pese nosso respeito ao Ilustre representante do Parquet Federal, que teve grandioso trabalho na recuperação da moralidade do Estado do Espírito Santo e porque não dizer na própria alta estima do Povo Capixaba entendo, que a Denúncia apresentada é descompensada. Talvez em razão do cunha emocional em que infelizmente e lamentavelmente, se envolveram os Membros do Ministério Público e alguns membros do Parlamento Espiritossantense.

Caso alguma inconstitucionalidade tenha sido cometida quando da aprovação do projeto de lei, poderia o Ministério Público questioná-la em suas prerrogativas no controle da constitucionalidade que lhe confere a Lei Maior, e não através da malsinada Ação Penal.

A Denúncia, como facilmente se pode constatar de uma leitura, mesmo que perfunctória, não apresenta qualquer especificação ou circunstâncias configuradoras do delito imputado, o que a torna inepta, como bem analisou o emérito Celso Delmanto, calcado em julgamento do STJ, vejamos:

“Denúncia: É inepta se não especifica os desvios, não aponta o seu montante, modo de execução nem a participação de cada um dos acusados (STJ, HC 928, DJU 11.5.92, p, 6439).”

No que se refere ao proveito próprio ou alheio com a votação do Projeto de Lei por dos Denunciados, não há que se falar, posto que estavam eles no exercício de suas prerrogativas, ademais, como já se disse, o beneficiário era no entender de cada um, o interesse público, no qual devem eles buscar com seus atos legislativos.

Também o multicitado Celso Delmanto, a respeito do benefício próprio ou alheio para configuração do crime imputado analisou:

“Benefício próprio ou alheio: É indispensável que o desvio se faça em benefício próprio ou alheio (TJSP, RT 490/293), inclusive no peculato-furto (TRF da 1ª R., JSTJ e TRFs 90/407). Quando o desvio de verba se verifica em favor do próprio ente público, em utilização diversa da prevista, há emprego irregular de verba e não peculato (TRF, Ap. 5.375, DJU 16.10.86, p. 19468; TJSP, RT 520/353).”

Admitir a procedência desta malsinada denúncia estar-se-ia abrindo perigoso precedente para que todos os parlamentares, indistintamente, que votaram lei, que a posteriori, seja tida por inconstitucional sejam investigados e acionados judicialmente pela prática de conduta criminosa. E representaria a inteira cassação de um dos Poderes instituídos constitucionalmente, um dos princípios fundamentais da nossa República.

Ora, os legisladores são lídimos representantes diretos do povo, e por interpretação constitucional não têm a obrigação de serem técnicos na interpretação do direito, ou seja, votam em favor do povo que representam, porém, não podem ser incriminados quando favoráveis ou desfavoráveis à edição de uma determinada lei. Não se pode substituir o livre convencimento e entendimento do legislador quando no exercício da sua função legiferante.

É por isso que possuem as mesmas imunidades em virtude de sua função, tema que será alvo de argumentação exaustiva e detalhada, na preliminar própria, logo adiante. Tanto é assim, que o art. 53, da Constituição Federal, expressamente determina que “os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos”.

Então se conclui, que quando emitem voto em processo legislativo, os deputados são o Estado e, de forma mais abrangente, são nesses atos, a expressão da vontade do povo do Estado que estão a representar, e por conseguinte, não podem figurar na qualidade de sujeito ativo de ação penal.

Nesse diapasão, podemos exemplificar traçando um paralelo de suas atividades com as atribuições dos membros do Ministério Público quando agem no exercício de suas funções, bem como dos magistrados, ambos devem proceder e conduzir seus atos de acordo com as suas consciências, com isenção, imparcialidade, dentro dos limites de arbítrio que lhes traça a lei.

Enquadrar, como pretende o Ministério Público, o ato dos deputados de votarem em projeto de lei, como crime de peculato e de abuso de autoridade, significa querer retirar a competência da qual estão constitucionalmente investidos.

Se houve algum erro Senhor Ministro, ele é de cunho meramente legislativo e é nessa seara que deve ser corrigido, e não na esfera penal como quer o Douto representante do Parquet.

Salienta-se, por fim, que o vínculo que liga os denunciados com o Estado não é de natureza profissional e sim meramente política, portanto não podem a eles ser imputado o crime de peculato e muito menos o de abuso de autoridade, nos termos narrados, data vênia, na estrambótica denúncia, que se espera seja, de plano, rejeitada por essa Douta Corte de Justiça.

DA INEXISTÊNCIA DE CRIME – AUSÊNCIA DA TIPICIDADE

O princípio da legalidade para a imputação de qualquer crime encontra seu maior agasalho no art. 5º, XXXIX, da Constituição da República, in verbis:

“Art. 5º - (...)

XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.”

O princípio da reserva legal e da anterioridade previsto na Carta Maior, é repetido em sua integralidade no artigo 1º do Código Penal, dando a dimensão de sua importância como um princípio basilar do direito penal, cujo aforismo latim “nullum crimen, nulla poena sine praevia lege”, é conhecido por qualquer neófito do direito, portanto não pode ser violado com a presente Denúncia.

Quando ao recebimento da Denúncia diz o artigo 43 do Código de Processo Penal:

“Art. 43 – A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I – o fato narrado evidentemente não constituir crime;”

Realmente, Senhor Ministro, a Denúncia nos parece estapafúrdia à medida que se constata que o ato de votar em um Projeto de Lei por parte dos Deputados não constitui qualquer conduta criminosa, uma vez que o ato de votar por si só não configura qualquer delito.

Há de se perguntar qual foi a tentativa dos ora Denunciados de se apropriarem ou desviarem dinheiro, valor ou bem móvel público? Qual o abuso de autoridade que trouxe prejuízo para o Estado? Seria a votação em um projeto de lei que autorizava utilização de recursos? Definitivamente, nos parece absurdo a incriminação de tal conduta, eis que completamente atípica.

O ato de votar em Projeto de Lei por parte dos Denunciados se deu dentro de sua competência legislativa, assim não podem ser denunciados por qualquer crime, até porque estavam sob o pálio da Constituição Federal e Estadual.

Vejamos as citações do emérito penalista Júlio Fabrine Mirabete em seu Código Penal Interpretado a respeito da Denúncia por fato atípico:

“Rejeição de denúncia por fato atípico – STJ: “O fato não é típico. Não há previsão legal da figura do estelionato judiciário. A cobrança de juros, acima do permitido em lei ou seja: exagerados, poderia constituir crime de usura. Entretanto, não foi o paciente denunciado por tal e nem narra a denúncia, expressamente, ato de usura” (RSTJ 65/180). TJRN: “Em sede de habeas corpus é possível o trancamento da ação penal nos termos do art. 648, I, do CPP, se a denúncia for inepta, em face da narração de fatos que nem mesmo em tese constituem crime, conforme inteligência do art. 43, I, também do CPP” (RT 755/703).

Inexistência de crime em tese – STJ: “Evidenciada a atipicidade da conduta, impende reconhecer a falta de justa causa para a ação penal” (JSTJ 20/294-5). No mesmo sentido, STJ: JSTJ 21/200.”

Atribuir o ato de votar em Projeto de Lei como fato criminoso, como fez o Douto representante do Parquet Federal, não deve merecer crédito nessa Corte Superior de Justiça, devendo ser a Denúncia julgada inepta, até para que não venha a ser ameaçada a democracia do Parlamento Estadual.

A exposição do fato criminoso deve vir contida na Denúncia, para que esta possa ser aceita, conforme previsão da 1ª parte do art. 41 do CPP, in verbis:

“Art. 41 – A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas.”

Portanto, para que o ato de votar em Projeto de Lei possa constituir conduta criminosa, mormente o delito de usurpação de função pública, o nosso sistema penal teria que modificar, o que como sabemos isso não aconteceu, e quiçá não acontecerá em um País que busca a cada dia consolidar sua democracia representativa.

Acerca da obrigatoriedade dos requisitos formais e materiais para o recebimento da denúncia anota Júlio Fabrini Mirabete na obra já referenciada:

“Requisitos formais e materiais da denúncia – STJ: “A denúncia deve apresentar-se formal e materialmente correta. Identificar, ademais, o fato como crime. Satisfazer a legitimidade ativa e passiva. Remanesce o interesse de agir, ausente causa de extinção da punibilidade. Evidenciar, além disso, o mínimo fático para arrimar a pretensão do Ministério Público. Tais requisitos não se confundem com o meritum causae, isto é, se a imputação corresponde à verdade real. Justifica-se o processo, evidenciada a necessidade de instrução criminal” (RSTJ 74/128). No mesmo sentido, STJ: HC 5.053-RJ – DJU de 7-4-97, p. 11.162.”

“Fato atípico – STF: “Denúncia que narra comportamento irrelevante sob a ótica do Direito Penal. Recurso de habeas corpus provido” (RT 609/445). TJMT: “Ação penal. Inexistência pretendida de justa causa. Fatos descritos na denúncia que não tipificam os delitos nela capitulados. Usurpação de função pública, desacato, desobediência e resistência. Trancamento. Habeas corpus concedido. Inteligência dos arts. 648. I, do CPP e 328 e 331 do CP. Concede-se a ordem para trancar a ação penal quando os fatos narrados na denúncia são atípicos” (RT 548/382-3). No mesmo sentido, STF: RT 599/447.”

É evidente, Senhor Ministro, que a situação fática – ato de votar – não guarda qualquer vinculação com o crime imputado – usurpação de função pública-, o que não se espera outra solução para a presente denúncia senão o acatamento de sua inépcia.

Contudo, cumpre asseverar que o deputado no desempenho de seu mandado, ao legislar representa a vontade do Estado como bem leciona JOSÉ AFONSO DA SILVA:

“A eleição gera, em favor do eleito, o mandato político representativo, que constitui o elemento básico da democracia representativa.”

Nele se consubstanciam os princípios da representação e da autoridade legítima. O primeiro significa que o poder, que reside no povo, é exercido em seu nome, por seus representantes periodicamente eleitos, pois uma das características do mandato é ser temporário. O segundo consiste em que o mandato realiza a técnica constitucional por meio da qual o Estado, que carece de vontade real e própria, adquire condições de manifestar-se e decidir, porque é pelo mandato que se constituem os órgãos governamentais, dotando-os de titulares e, pois, de vontade humana, mediante os quais a vontade do Estado é formulada, expressada e realizada, ou, por outras palavras, o poder se impõe.” (ob. cit. pag. 142) (destacou-se)

Portanto, somente com a suspensão da execução, pelo Senado Federal, no todo ou em parte, da lei decretada inconstitucional por decisão / definitiva do Supremo Tribunal Federal, surgiria a possibilidade de se responsabilizar o Estado, e, hipoteticamente, seus representantes eleitos, por danos oriundos da aplicação do diploma legal inconstitucional. E ainda assim, se tivessem, comprovadamente procedido com dolo ou fraude. O que não é o caso.

Tal entendimento é corroborado pela doutrina dominante:

“Somente nas hipóteses em que, segundo a concepção que se teve e se tem, se há considerar nula para todos a lei, por sua inconstitucionalidade, é que para todos, ou para alguns, ou para um deles, se irradia a pretensão à responsabilização estatal pela lei inconstitucional que, por eles, ou por ele, aplicada, ou aplicada pelo Poder Judiciário, gerou o dano.

Portanto, somente com a “suspensão da execução, pelo Senado Federal, no todo ou em parte, da lei decretada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, de acordo com o que a Constituição de 1988 regra no art. 52, X, uma vez que, aí, a lei é não-lei. E o ato prejudicial praticado pelo Poder Público com base em lei que não é lei, sujeita-o às suas conseqüências.” (VILSON RODRIGUES ALVES, Responsabilidade Civil do Estado, Tomo I, 1 ed., Bookseller, p. 244) (destacou-se).

“A responsabilidade por leis inconstitucionais depende, no entanto, da prévia declaração do vício pelo Supremo Tribunal Federal”. (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, Direito Administrativo, 11 ed., Atlas. p. 509).

Neste passo, ampliando forçadamente o entendimento da doutrina dominante, somente seria possível a configuração de ato ilícito em virtude do exercício exorbitante de competência legislativa, caso o órgão competente - Supremo Tribunal Federal -, declarasse a lei em comento, eivada desse vício inconstitucional, vale repetir, e ainda assim se comprovada a má-fé do legislador, mediante dolo ou fraude.

A declaração de inconstitucionalidade é imprescindível, como ressaltado, para a confirmação da ilegalidade do ato legislativo, e via de conseqüência, para a responsabilização do Estado. Como porém, não houve decisão do Excelso Pretório neste sentido a respeito da Lei nº 7.306/02, não há o que se falar em responsabilidade civil do Estado, muito menos em ocorrência de ato delituoso pela edição do dito diploma legal.

É o Parlamento o detentor da imunidade, e não a pessoa do deputado, o que assegura aos seus integrantes, uma garantia alçada aos membros do Poder Legislativo que lhes confere uma margem segura de atuação sem interferência de natureza legal ou coativa, e da qual, inclusive, sequer podem declinar.

Neste entendimento, o parlamentar no exercício pleno de suas atribuições, que é a de legislar, está investido de imunidade, visando garantir assim à sociedade que o elegeu, o atendimento a pleitos e programas urgentes, como foi o caso da lei em comento, que foi enviada ao Poder Legislativo para pagamento de folha de despesas com pessoal do Poder Executivo Estadual, em razão de existência de saldo positivo de recursos disponíveis não utilizados, de outro segmento da administração pública.

O que o Poder Executivo pretendeu, com o envio da matéria ora atacada, foi, conforme já mencionado na inicial, prover recursos para efetivar despesas com a folha de pagamento de servidores, e, o Poder Legislativo, considerando o caráter social e o interesse público que se adequavam às argumentações da finalidade da aplicação dos recursos transpostos, qual seja, a de atender obrigações de caráter alimentar, tomou-se plenamente legitimo e possível, receber e votar a referida matéria, para assegurar aos servidores deste Estado, o recebimento de suas remunerações, o que representa a contrapartida do serviço por eles prestados. E, se não havendo aprovação de matéria neste sentido, ficam à mercê da sorte, o que é por demais desumano.

Como se vê, a conduta procedida pelos Deputados Denunciados é atípica, não podendo a denúncia ser recebida, conforme se denota dos julgados abaixo citados pelo Professor Júlio Fabrini Mirabete em seu Código de Processo Penal Interpretado:

“Inexistência de crime em tese – STJ: “Evidenciada a atipicidade da conduta, impende reconhecer a falta de justa causa para a ação penal” (JSTJ 20/294-5). No mesmo sentido, STJ: JSTJ 21/200.”

“Inexistência de dolo – TRF da 4ª Região: “Se a ausência do animus delinquendi é reconhecida, implicitamente, pela própria denúncia, é lícito ao juiz considera-la ao decidir sobre o seu recebimento” (JSTJ 36/578).”

Sob qualquer ângulo que se queira ver, outra conclusão não se tem como chegar, senão a da completa ausência de ilicitude acerca dos fatos imputados aos Denunciado, que cingem basicamente na votação em Projeto de Lei encaminhado pelo Poder Executivo àquela Casa de Leis para aprovação.

DA AUSÊNCIA DO CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE

Também, Senhor Ministros, consoante todas as argumentações acima expendidas, a conduta dos acusados, ao votarem no Projeto de Lei levado a Planário na Casa, não configura o abuso de autoridade a qual o Parquet tenta a eles imputar, vejamos o que diz textualmente o art. 4º, h, da Lei nº 4.988:

“Art. 4º - Constitui também abuso de autoridade:
(...)
h – o ato lesivo da honra, ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com o abuso ou desvio de poder ou sem a competência legal;”

Ora vejam pois, como exaustivamente descrito, a conduta dos Deputados Acusados foi rigorosamente dentro de suas competência legislativas, originárias da Constituição da República, sem que tenha trazido qualquer dano para a União ou para o Estado do Espírito Santo. Desta forma, não caracteriza, sob hipótese alguma, o ato de votação dos Acusados em crime, como quer o Parquet Federal

Afasta ainda o crime de abuso de autoridade à medida que se constata, que o Projeto de Lei levado a Plenário tramitou regularmente pela Comissão da Casa responsável pela análise de sua constitucionalidade, no que fica cristalino, mais uma vez, que o ato se deu rigorosamente dentro da competência legislativa.

DA CONFIGURAÇÃO DA DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA

O fato de o Ilustre representante do Parquet Federal, cujos conhecimentos jurídicos são inequívocos, solicitar instauração de inquérito e apresentar Denúncia de crime inexistente, ao nosso entender, configura crime de denunciação caluniosa previsto no art. 339 da Tábua Penal, in verbis:

“Art. 339 – Dar causa a instauração de investigação policial ou de processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que sabe inocente:”


Com o respeito devido, não se pode admitir que o Ilustre representante desconheça que o voto dos deputados em um Projeto de Lei apresentado na Casa Legislativa, configure uma prerrogativa de função, originária de sua competência legislativa, e não uma conduta criminosa. Assim fácil é concluir de que se alguém pratica algum crime não são os Denunciados e sim quem os denunciou por crimes inexistentes.

Finalmente, Senhor Ministro, sabemos que o Estado do xxxxxxxxxxx viveu dias turbulentos, com diversos acontecimentos de sua vida política de duvidosa legalidade, porém não podemos admitir que o Ministério Público, por seus representantes, venha se nivelar àqueles que outrora agiam à margem da lei, para considerar que AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA possa ser configurado delito penal.

DO ARREMATE
Fácil é concluir que, o exercício do voto não é prática de ato administrativo ou de gestão, logicamente, é ação política. Outrossim, a imunidade não diz respeito ao parlamentar, mas ao munus por ele desempenhado, em razão da investidura no mandato legislativo, sendo o deputado livre e inimputável no exercício do poder e da garantia constitucional do seu voto, no que resta demonstrada cabalmente a ilegitimidade ativa dos denunciados, a inexistência de sujeito ativo para imputação dos crimes, a total inexistência de crime, devendo assim ser a presente denúncia, de plano rejeitada, no que se estará homenageando o estado constitucional. Sendo que o conhecimento da inexistência de crime na instauração do inquérito e na formulação da denúncia, acaba por configurar o delito de denunciação caluniosa. Data vênia a aceitação da denúncia significaria a alteração do sistema constitucional vigente, configurando verdadeira teratologia jurídica, o que certamente não ocorrerá.

DOS REQUERIMENTOS

Ante as razões de fato e de direito acima expostas e outras que o Senhor Ministro entenda necessárias, e em face da vasta doutrina e jurisprudência ora colacionadas, ficou, à sociedade, demonstrado que são totalmente insubsistentes os fatos narrados na Denúncia, que requer seja a mesma, de plano, rejeitada, nos termos do art. 516 do Código de Processo Penal.

Oportunamente, requer seja deferida a produção de todos os meios de prova em direito admitido, especialmente, juntada da cópia da Lei Estadual 7.346/02, documento comprobatório da revogação da lei objeto da lide proposta, desta ação, juntada de documentos novos, e tudo quanto se torne necessário no curso do processo;

Aceita a presente Defesa Preliminar, requer a inadmissibilidade da denúncia apresentada, posto que se estará aplicando o melhor direito e fazendo justiça.

Nestes Termos,
P. Deferimento.

xxxxxxxxxxx p/ Brasília, 26 de junho de 2004.


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PROCURADOR GERAL


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SUBPROCURADORA GERAL
LAURO COIMBRA MARTINS
Asessor Jurídico da Proc. Geral
OAB/ES 10.132

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